sábado, 8 de maio de 2010



Era manhã e ele resolvera passar lá por um motivo qualquer. Talvez porque ela adoecera, talvez porque simplesmente houvesse dormido demais e acordara não se sentindo muito bem. A razão é que não havia motivo algum concreto que explicasse a necessidade de sua presença ao lado da cama dela.

Dentro do quarto, uma luz quente de sol espreguiçante invadia os móveis procurando cada faixa de escuro para explorar. Quem sabe embaixo da cômoda um tufo de poeira, algum brinco esquecido, uma anotação perdida, um canto de parede com uma mancha de infiltração.. Enfim, o sol, os sons, o gosto, a manhã.

A pele dela ainda morna, um sabor de quem sonhou até o hora em que abriu os olhos, e ele lá, sentado, ao lado da cama por um motivo qualquer. Aquele amigo que nunca a visitara. Se viam e se falavam razoavelmente pelos labirintos da faculdade, mas só. Ela o via, o observava, sabia que era bom falar com ele, mesmo que em miúdos, um assunto qualquer, reclamar de uma disciplina, de um professor imbecil.. Gostava de ouvir a voz dele e o tom como escarnecia das coisas malditas. Sempre em silêncio, sempre com aquele olhar de que fulminaria os tolos, os que não sabem o que fazem; quase debochava, quase sentia pena, mas fazia questão de sorrir e assentir com cada tolice, porque era assim que efetivava sua inteligência, simplesmente se divertindo e não se importando com a idiotice alheia.

Agora ele estava ali, paradinho, sentado numa cadeira no quarto dela. O sol também o invadia.

Ela se move na cama e senta, eles trocam palavras, ela ri. Ele fala de uma coisa qualquer enquanto ela pensa: será que ainda tem café? E ele continua lá. Ainda. Pelo motivo qualquer. A voz dele é boa, calma, baixa, constante, de uma inteligência segura. Então, finalmente ele levanta-se da cadeira, espalha do sol o calor que havia se acomodado entre as dobras de sua roupa e decide que é hora de partir. Ela assanhada, mal acordada, ainda enrolada nos lençóis, um pé no sono e outro na necessidade de acordar, se lança sobre ele e o beija. Joga seu corpo quente e etéreo sobre ele. Ele, óbvio, fica surpreso com sua ação, mas sente os lábios dela e o seu gosto de sono. Ela o beija com desejo, como uma quase confissão de tudo aquilo que ela pensa sobre ele. Sobre o seu silêncio, sobre o seus passos, sobre as suas presenças furtivas nos corredores da faculdade, sobre a vez em que ela ficou bêbada e conversou com ele até ficar rouca sobre coisas das quais não lembraria depois.. Sentiu dele o gosto de um silêncio corrompido, de um mistério que, ainda que violado, continuaria sendo mistério. Ela o apertou bem contra o seu corpo, correu as mãos pela borda de trás do cós da calça dele, a ponta dos dedos pelo fim de suas costas. Sentiu bem cada pedaço de sua boca, de seu hálito, das coisas que eram só dele e que ela queria, mas que sabia que não seriam suas. Por isso ela estava ali, dividindo aquele ar diluído e morno da manhã, tentando acomodá-lo em seu labirinto, entre as suas pernas, entre os seus braços, entre os seus cabelos, ente o seu sono e a sua língua.

Depois daqueles minutos de estalados macios e suspiros secos, ele segurou-a pelos braços e a afastou de seu corpo. Ela o olhou bem com sua opinião sincera e seu desejo despido. Sentiu que ele esteve lá quando ela estava em sua boca. E ele estava. Mesmo o seu silêncio produzira o ruído da afirmação necessária. Ela sentiu que sua saliva era mais do que uma água fria para se matar uma sede, era de um material que se esvaia e percorria o corpo todo. Suas mãos por fora, sua saliva por dentro, pela boca, pelo peito, pelo umbigo.. Ele olhou-a bem, e em seco silêncio se levantou.

Ela o acompanhou até o portão, o sol já estava mais forte, ela ajeitou a alça do vestido e percebeu que ele estava um pouco frouxo. Talvez repuxado pelos movimentos da noite, talvez roto pelas mãos e o atrito da blusa monocor dele. Sorriu. A mãe cuidava do jardim quando ela entrou para tomar o café.

2 comentários: